domingo, 19 de agosto de 2012

Viagem Medieval 2012 [Comentário Final]


Desligou-se a máquina do tempo, perdeu-se o efeito da passagem na história… perdura o efeito halo das memórias. Terminada que está a XVI edição da Viagem Medieval em Terra de Santa Maria, como já vem sendo hábito, é tempo de fazer as contas… olhar para trás a pensar no futuro.
Ao longo desta pequena/longa (perdoem-me a ousadia em não poupar nas palavras) reflexão haverá oportunidade para comentários e perspectivas alternativas relativos a esta edição da Viagem Medieval, com a devida ponderação de diversos factores práticos e sugestões futuras, rumo à construção de um conceito mais coeso e apto a dar respostas cada vez mais adequadas às necessidades do território, das suas gentes e de todos os intervenientes do projecto.

Num momento em que reinam as memórias e se valoriza o território, dando importância à concepção de um projecto colectivo, nasce cada vez mais um novo conceito: a profissionalização. Um tema “polémico”, que me suscitou MUITAS conversas ao longo do último mês, com múltiplos intervenientes, e que mais à frente “desbravarei” com maior incidência prática.


Desta vez, em pleno ano de crise, a Viagem Medieval apresentou-se com novas reformulações no conceito de bilheteira. De imediato, poderei dar ênfase a esta nova política, até porque há dois anos, quando se confirmou o pagamento de entradas em 2011, fui defensor da diferenciação entre bilhete diário e passe geral. De facto, até poderemos compreender o percurso e a necessidade de simplificação de processos burocráticos num ano teste, como o de 2011.
Um passo absolutamente positivo, e que já não pode ser alvo de críticas ou retrocessos, que apenas peca pela ausência de referenciação do ano de realização do evento nas pulseiras semanais, que se assumem como coleccionáveis. Acredito que a solução virá já em 2013.
Desfeitas as dúvidas, aumentou a participação, cresceu a receita… valorizou-se o projecto. Com mais 3% de visitas face ao ano anterior, a maior recriação medieval da Europa consolida as suas marcas de auto-sustentabilidade financeira, podendo, agora, encarar o futuro com novas perspectivas e novos desafios.


Um pequeno aparte, para uma reflexão sobre a bilheteira e as questões apresentadas pela meia dúzia de reclamantes compulsivos, ao longo do processo. Sem o conceito de utilizador pagador, todos pagaríamos a Viagem de outra forma: impostos. Algo incompatível com os pressupostos assumidos pelas várias entidades de referência na área em Portugal e absolutamente inválido em termos de justiça social. Por outro lado, neste modelo, só usa o parque temático (vá, “evento” para algumas pessoas que recusam o conceito anterior) quem efectivamente o pretende e está disposto a pagar um valor CLARAMENTE SIMBÓLICO (e quem disser o contrário não tem a mínima noção dos custos de produção) para um projecto que em qualquer parte do Mundo seria caracterizado por bilhetes diários acima dos 15/20€ e passes globais nunca abaixo de 50€. Afinal de contas, na Viagem medieval o visitante paga 2€ por um dia e entre 3€ e 4€ pelo passe global, para dez dias. Será preciso fazer muitas contas? Não me parece…
Ainda de referir, as colagens… e a replicação de um conceito socialmente notável. Este ano, pela primeira vez, os quatro principais projectos medievais nacionais tiveram/terão entrada paga. Mais, dois deles colaram-se à Viagem Medieval (que manteve o seu alinhamento de datas, apesar do pequeno ajuste face ao anunciado em Agosto de 2011) e tivemos um fim-de-semana com 3 mega-recriações em simultâneo. Há ainda uma colagem TOTAL ao modelo e valores de bilheteira num evento lá para o Reino dos Algarves. Não vou comentar os resultados de outros… apenas reforçar os resultados de um conceito modelo, a nível nacional e internacional. Haja mais capacidade de integração e potenciação de um conceito com uma força única no nosso país (não só a Viagem Medieval), capaz de criar um roteiro com dois meses completos de actividade em terras lusas, com vantagens claras para todos os intervenientes em caso de sintonia.

No que às reclamações quanto aos acessos diz respeito (e afinal falam duas ou três vozes em centenas de afectados), diz que poderá haver uma solução a médio prazo. Acredito cada vez mais num novo conceito para o recinto da Viagem Medieval, mas isso fica para outra ocasião. Quanto aos ditos reclamantes: depois não se queixem… e não me questionem porquê!


Passemos ao que interessa: à Viagem em si. Aos espectáculos, às áreas temáticas, aos pormenores logísticos e ao que mais vier à ideia reforçar e referenciar de uma edição que precisou de um empurrão para acordar, mas rapidamente assumiu o rótulo de “histórica”.
Comecemos pelo início, pela abertura… pelo dia de estreia e por um conceito incompreendido.

No dia 2 de Agosto anunciava-se uma inovadora “festa de abertura” para a Viagem Medieval, que, tal como o programa dizia, apenas teria início pelas 22h, apesar das áreas alimentares, Feira Franca e Mercado Árabe iniciarem o seu funcionamento ao final da tarde.
Ouvi duras críticas à música dos séculos XX e XXI que ecoou no recinto ao fim de tarde e início de noite do dito dia. Obviamente uma perspectiva questionável e com eventual complicação de percepção por parte de um público menos apto a conceptualizações e explanação de programa. Mas, o caso era claro: o evento apenas teria início depois das 22h… assim se poderia ler em todas as formas de comunicação da Viagem com explicitação dos horários de funcionamento: “2 de Agosto – 22h à 1h”. Adiante, que há coisas muito mais interessantes para comentar e explorar.
Ainda neste dia, a festa em si… a abertura… a passagem no tempo. O passadiço da Praça Nova, palco habitual dos momentos solenes de várias edições da Viagem Medieval, foi o local escolhido para um conceito altamente contemporâneo, que nos levou até 1185. Se ao início a sonoridade electrónica e os ritmos pop/rock do século XXI estranharam ao muito público que acorreu ao local, rapidamente a dúvida se desvaneceu… era uma espécie de passagem de ano.
Rapidamente chegaram os bailarinos, entraram os lenços brancos, as passas e a cerveja da Viagem Medieval (edição limitada da Super Bock)… e eis que tem início a contagem. O pendão 2012 dá lugar ao “Ano da Graça de 1185” e o fogo-de-artifício nos desvia o olhar. Quando voltamos a atender à Praça eis que tudo já é medieval… e as personagens são as mesmas. Começava a Viagem…
Deve dizer-se que este conceito inicial, apesar de algumas más interpretações, foi bem assimilado e acolhido pelo público. No entanto, daqui partia a Viagem… aqui tinha início o percurso… e nada foi como até então. Alguma descoordenação e desconhecimento, mesmo de alguns intervenientes, levaram a um final atribulado deste espectáculo. Na Atalaia gritou-se “Arraial, Arraial… Viva El-Rei de Portugal” e tudo acabou subitamente.

Há alguns anos que o conceito de abertura da Viagem Medieval tem sofrido ajustes, no sentido de o adaptar às novas condicionantes do recinto. Este ano, uma vez mais, o projecto global não terá sido bem conseguido. É caso para dizer que a complexidade foi inimiga da perfeição… se tudo se tivesse limitado à passagem no tempo, o resultado teria sido deveras positivo e surpreendente. Mas, neste caso, a imagem que passa não terá sido essa. Um ponto a rever com toda a cautela em edições futuras.
Espectáculo de Abertura
Debaixo do pano negro estava a surpresa… de lá saiu a festa: estávamos em 2012, na hora da passagem de ano. Muita luz, animação e alegria com um DJ que nos fez soar um conjunto de músicas contemporâneas, com o mote dos Coldplay. Chegaram os bailarinos e intensificou-se a festa… entretanto fizemos a contagem e eis que vivenciamos o efeito halo no tempo!
E de repente estávamos em 1185, nem demos por isso, já que o fogo-de-artifício nos desviou as atenções da máquina do tempo.
E depois, a tradição: o falcão, o pergaminho, a leitura, a bandeira e a queimada… estava aberta a Viagem Medieval e seguiu-se um percurso pelos projectos desta edição.
De repente um grupo de cavaleiros invadiu o recinto e o público foi arrastado até à Atalaia… onde suou o grito: Arraial, arraial… Viva El-Rei de Portugal!

O primeiro dia ficou, ainda, marcado por uma surpreendente afluência, algo não habitual na data de abertura, em que a Viagem está a meio gás, com as áreas temáticas encerradas e grande parte da animação a ter início apenas no dia seguinte. Mas, este ano, tudo foi diferente… no dia de acesso livre, as ruas estiveram cheias de visitantes sedentos de conhecer as novidades desta edição, que se guardaram para o dia seguinte.
Ainda, nesta noite, ficou novamente patente uma das limitações da Viagem Medieval: a convivência com os bares da cidade. Mesmo sem atender aos distúrbios, pela madrugada dentro e depois do encerramento do recinto, altamente noticiados, fica a sensação de completo desrespeito pela Viagem Medieval da parte de alguns estabelecimentos de diversão nocturna do centro histórico. Se num dia normal a música não ecoa para a rua de forma ensurdecedora, porque será o caso diferente quando há eventos, como a Viagem Medieval ou o Imaginarius? Não é admissível que a autarquia não assuma uma posição firme face a factos tão absurdos como a audição da música de um bar, de forma integral e sem ruído, a quase 100 metros de distância e apesar da animação do recinto. Haja mais acção!

Passada a primeira noite, tinha início a verdadeira Viagem Medieval, um vasto conjunto de actividades de recriação em diversos domínios com dezenas de actividades em simultâneo, representando cerca de 1500 apresentações de animação circulante, 170 exibições de espectáculos originais, num recinto de 33 hectares, que consumiu cerca de 17Km de fitas decorativas. Números para quê… as imagens valem mais do que mil palavras.


Neste percurso pela Viagem Medieval em Terra de Santa Maria 2012 teremos a explorar diferentes conceitos, diversas abordagens, múltiplas disciplinas artísticas e dezenas de projectos. Comecemos pelos principais espectáculos de animação.

A Investida
A Investida nasce da evolução do conceito que definiu a linha orientadora dos últimos 3 anos em termos de macro-espectáculos de batalha, nas noites da Viagem Medieval, desviando as atenções do logisticamente problemático Assalto ao Castelo. No entanto, o projecto abandonado continua a ser motivo da questão mais frequente relativa ao programa: “quando é o Assalto ao Castelo?”. Tenho sérias dúvidas em voltar a sugerir tal façanha, tendo vivido por dentro os “apertos” de várias edições do projecto, mas deixo a dúvida no ar.
Depois do Assalto ao Arraial, do Fossado e Honra e Glória, o grau de exigência começa a assumir patamares nunca imaginados, transformando a missão utópica e hollywoodesca em algo mais palpável e terreno. Assim, em 2012, num novo modelo conceptual, nasce um espectáculo com o mesmo objectivo de recriar um ambiente de batalha, com uma abordagem menos preocupada com alinhamentos teatrais e dando primazia à simulação da realidade da época.
De facto, tudo se poderá resumir a um projecto menos emocional e mesmo sentimental, para se transformar em algo mais corrosivo e militar. Se na fase inicial tal se transforma em abordagens de cena mais calmas e pouco imponentes, na etapa derradeira, o conceito evoluí para um verdadeiro filme ao vivo, com uma carga emocional e uma capacidade de “agarrar” o público absolutamente notáveis.
Em resumo, encontramos um espectáculo com preocupação acrescida nos efeitos especiais e nas temáticas militares, dando menos importância às questões de palco, sem que essas tenham sido descoradas. A Milícia de Santa Maria e os seus parceiros de projecto deram vida a um conceito que em muito eleva o nome da Viagem Medieval, tendo sido alvo de importantes visitas e de várias descrições de um projecto (o conceito em si) obrigatório em qualquer edição futura da Viagem Medieval.
Poderei falar de pontos positivos e negativos, num resultado final que prima pela diferença de um alinhamento que entra na sua quarta edição e que sem mudança de rumo (embora ténue) entraria rapidamente em desgaste. De qualquer forma, acredito que ainda não atingimos a meta. Poderemos dizer que nunca o faremos, mas nunca deixarei de acreditar que é sempre possível mais. Cá estaremos para acompanhar a evolução.
A extraordinária ovação do público foi sinal da reacção muito positiva ao projecto e da portentosa adesão a um conceito que já é um marco em cada edição da Viagem Medieval.

In Illo Tempore
Conceptualmente um projecto verdadeiramente brutal, diria mesmo sublime. Trata-se da prova viva da capacidade criativa e do know-how residente em Santa Maria da Feira, no domínio das artes de rua.
De qualquer forma ao longo dos anos, este conceito, que tem explorado insistentemente o mesmo local para a sua realização, começa a incorporar estruturas e temas característicos das abordagens contemporâneas ao espaço público, cada vez mais afastados dos tradicionais conceitos medievais. Apoio totalmente que tal aconteça, mas, de facto, o recinto começa a transformar-se numa plataforma de germinação de conceitos congéneres, que talvez exija mais algum rigor nos figurinos, cenários e elementos de cena, de forma a não desvirtuar o conceito base da Viagem Medieval.
Isto não representa que tenhamos estado perante um mau espectáculo, bem pelo contrário. Confesso, abordei com receio a escadaria da Matriz. Ao fim de cerca de uma década de exploração deste conceito alternativo nesta escadaria, a cada ano temo a síndrome de repetição. Mas tal não aconteceu. Nos ensaios havia-me apercebido de uma exploração de mesmo tipo de movimentos dos anos anteriores, mas o todo compõe o projecto e encontramos uma globalidade ímpar e absolutamente recomendável.
Falamos de um projecto visualmente fabuloso, musicalmente fantástico, artisticamente sublime e de uma grande energia e capacidade de captação de público… e afinal é para o público que existem os espectáculos. No fim, alguma surpresa e muitos aplausos a uma peça que se desenrola na ligação entre os quatro elementos essenciais e termina no quinto da lista: a origem humana… a vida!
Para terminar, a minha dúvida de sempre: porque não se encaixa um projecto desta natureza, sem limitação criativa no desenvolvimento de cenários e figurinos, no Imaginarius – Festival Internacional de Teatro de Rua? Estamos perante um projecto notório de integridade e capacidade de renovação, mesmo mantendo um alinhamento base de temáticas místicas e o mesmo local de apresentação. Tantas edições e tantas adaptações serão a prova da capacidade de entrar numa nova dinâmica… não estará na altura do desafio?
Quanto às sugestões concretas, continuo com a mesma de sempre. A tal que vai sendo ouvida e melhorada, mas continuamos com a essência por lá. Temos uma escadaria deslocada à esquerda da rua frontal, o que lhe retira a viabilidade, algo que poderia ser minimizado pela exploração da área de jardim frontal à rua, em detrimento da escadaria em si. Porque não experimentar uma nova abordagem?
Ainda a questão do uso do solo… desta vez, já não posso apelidar de “abusiva”, mas continua a acontecer, com o público a atropelar-se para ver mais de perto. Bem, até serve para compreender este sentimento geral de recepção altamente positiva do projecto.

Segredo da Floresta
Em 2012, a Meia Ponta voltou a explorar um conceito de espectáculo para um público familiar, no recinto da Viagem Medieval. Depois das incursões nos ambientes da Coruja, de várias abordagens na Terra dos Sonhos e de um projecto mais teatral, em 2011, no Claustro do Convento dos Lóios, eis que é tempo de explorar um espaço mítico da Viagem: a Floresta.
Desta vez rumamos em busca do “Segredo da Floresta”. Ao que parece, o Rei D. Sancho I encarregou um seu cavaleiro de povoar as Terras de Santa Maria e para tal será necessário “conquistar” a Floresta, mas não será fácil. Ouvi dizer que um segredo escondido não permite explicação para o desaparecimento de todos os visitantes da Aldeia Mágica.
Mas fiz um pacto com os habitantes de tal local… como de lá saí, nada poderei contar, assim, escuso-me à descrição da sinopse. Limito-me a concluir que se trata de um conceito mais curto e intenso, com uma história leve e digerível, apetecível a miúdos e graúdos, sem excepção.
De facto, um pouco abaixo de outras edições. Será o conceito a acusar algum desgaste?

Torneio
Em 2012, a Viagem Medieval voltou a apostar no regime de alternância de companhias para a realização do projecto da Liça. Desta vez, a escolha recaiu sobre os Viv’Arte, uma companhia que se caracteriza pela suas geniais e genuínas abordagens à Liça, num conceito que tem menos de espectáculo produzido, para dar mais valor às virtudes da recriação das técnicas militares, num ambiente absolutamente fenomenal.
Foi apenas uma edição de ausência, mas as saudades já eram grandes. A última paragem dos Viv’Arte na Feira fora ainda na antiga Liça, com mais espaço e menor proximidade ao público. Neste novo contexto, o espectáculo revela uma intensa interacção com o público, sem nunca perder a plena ligação à época retratada.
Nota negativa para as dificuldades dos primeiros dias, com alguns espectáculos menos bem conseguidos. Problemas talvez pautados pela participação da companhia em 3 projectos em simultâneo (Feira, Silves e Açores). Facto a carecer de intervenção no futuro… a manutenção do conceito de parque temático deverá exigir das companhias o mesmo grau de complexidade dos projectos, com os mesmos padrões de entrega, ao longo de todo o evento. No entanto, a minha avaliação global é bem positiva, não fosse eu fã incondicional deste projecto de Oliveira do Bairro.
Nesta edição, o programa contemplou Torneios à tarde e à noite. Como curioso que sou, lá fui observar das duas perspectivas… e a minha preferência de sempre continua válida: a tarde. O ambiente pitoresco do pôr-do-sol permite a obtenção de uma carga emocional fenomenal, algo que à noite nem com as luzes é conseguido. Fica a esperança na continuidade do conceito nos próximos anos.

Juízo de Deus
Em 2012, o recinto da Viagem sofreu algumas mudanças, com a alternância de companhias entre espaços. Assim, nesta edição, a Espada Lusitana passou a ocupar as imediações e o interior do Castelo, dando vida a uma dupla recriação diária de um Juízo de Deus, no exterior do monumento nacional.
De exaltar a excelência do projecto e a integridade das exibições, mas, desta vez, soube a pouco. Todos os dias, pelas 19h, uma pequena multidão subiu ao Castelo na expectativa de encontrar um projecto substituto da “Peleja”, com que em 2011 fechavam as tardes da Viagem Medieval. Mas acabamos por encontrar um excelente projecto a que já nos habituamos, noutras ocasiões, em ambiente de menor destaque, mas de menor impacto visual e sonoro.
Esta será uma crítica ao alinhamento do programa geral e não ao espectáculo da Espada Lusitana em si, mas não posso deixar de referir que centenas de pessoas saíram, todos os dias, do Castelo com saudades de um grande espectáculo com irreverentes movimentos e a adrenalina suficiente para marcar de forma vincada o final da primeira etapa diária do recinto da Viagem. Fica a sugestão para 2013… o regresso do headliner do final de tarde às imediações do Castelo da Feira.

Mezcla
A Mezcla é uma espécie de encerramento, um ritual de fogo, um projecto de grande porte. Apenas a estrutura de cena per se tem a capacidade de dar nas vistas. Somando os figurinos o projecto ganha ainda mais vida. Mas parece que falta algo…
Como ouvi pelo recinto, parece que voltamos atrás no tempo… mas no tempo actual. Está na hora de explorar novas abordagens e novos conceitos: porque temos sempre de conceptualizar os projectos com base num conceito de escadaria? E o telhado da piscina ali a olhar para nós, com uma fabulosa visibilidade… tanta, que bastava ao público d’A Investida rodar 180 graus para poder observar o espectáculo que se seguia.
Mais um projecto que vive à custa de conceitos míticos e místicos, capazes de povoar o imaginário dos visitantes, desbravando aquilo que acima já descrevi: o excesso de exploração de conceitos artísticos contemporâneos da ocupação do espaço público.
Em resumo, nesta equipa fica patente um enorme potencial, mas evitem-se as replicações de linhas conceptuais. Venha inovação… já em 2013!
Por outro lado, tal como com o caso dos Saltarellus, em In Illo tempore, porque não tirar partido deste know-how no Imaginarius e fazer da Viagem um conceito mais íntegro?

Na Sombra de Meu Pai
Devo começar por relembrar que há muito que encaro o Claustro do Convento dos Lóios como um dos palcos potenciais para uma visão estratégica integrada para as artes de rua e performativas em Santa Maria da Feira, sendo que em 2011 aquando do anúncio da exploração deste espaço para a abordagem de conceitos cénicos alternativos, capazes de representar os sentimentos menos expressos da vida de um Rei, senti um enorme contentamento. Em 2011, assistimos, pela mão da Meia Ponta, a um espectáculo soft e de linguagem contemporânea, que muito agradou ao público. Mas este ano damos um salto memorável.
A Lourocoop e os seus parceiros estão de parabéns, pela excelência e profissionalismo de um conceito absolutamente impressionante e digno de registo. Uma fenomenal dinâmica envolve todos os 90 minutos do espectáculo, com a exploração das mais variadas sensações. O espectáculo caracteriza-se por uma notável carga emocional transmitida ao público, que faz com que, apesar da sua longa duração, o transforme em algo agradável e com enorme capacidade de agarrar o público.
Uma portentosa banda sonora dá o mote para transições de cena notavelmente dinâmicas, num ambiente cénico único e abordando um esquema de movimentações peculiar. Apesar do conceito mais histórico e fechado, a peça consegue apresentar movimentos contemporâneos e vanguardistas, que lhe conferem um carácter versatilmente actual. Em resumo, uma curiosa linguagem cénica abre portas a um conjunto absolutamente recomendável. Impressionante!

Terminada a viagem pelos principais projectos âncora, poderemos encarar o lay-out onde tudo acontece: o recinto. Em 2012, as mudanças mais significativas aconteceram ao nível do Parque da Cidade, onde a margem esquerda do rio Cáster foi alvo de uma curiosa renovação de figurinos e actividades, apesar da manutenção da zona de espectáculo e da zona de jogos medievais.

O Povoado representa a aproximação ao topo da pirâmide. Há muitos anos que se tentava efectuar uma abordagem plena de uma aldeia ou povoado medieval, com resultados habitualmente negativos. Desta vez, tudo foi diferente… tudo foi eficaz. A integração do conceito de aldeia com as Ordens Militares e os ofícios da época resultou numa extraordinária proposta para o público, num ambiente de dinâmica constante. Nota absolutamente positiva.

Ainda no que às áreas temáticas diz respeito, nesta edição, devo destacar o espaço Sentir do Guerreiro, que é já uma tradição e um marco a cada edição da Viagem Medieval. Em 2012, o conceito sofreu largas inovações, dando mais força à adrenalina e ao espírito de aventura, com novas pontes e actividades, possibilitando, ainda, aos mais novos uma curiosa aventura rumo à salvação de um Rei anão.

Destaque gigante para o novo conceito de vivências aplicado ao Castelo da Rainha D. Dulce que em grande medida tirou partido da experiência e conhecimento de história medieval da Espada Lusitana, para se obter um resultado, que não sendo excelente, inicia um percurso construtivo rumo a uma nova e pragmática exploração do ex-líbris da Viagem Medieval, tão esquecido nas últimas edições.

Continuando o percurso, chego ao Mercado Árabe… um problema. Não poderemos negar o impacto extremamente positivo na atracção de público desta área, mas com conceitos não medievais tão à vista de qualquer um (bem, como referenciar o medieval para estes povos?) e por vezes desfasados em completo do alinhamento do projecto Viagem, ficam certezas quanto à necessidade de alguns ajustes.
De notar positivamente o alargamento do espaço de circulação ao nível da rua, evitando os habituais congestionamentos. Por outro lado, o mercado municipal em si continua a “morrer”, dissolvido num conceito que tenta coabitar com residentes habituais, numa ligação pouco linear e nada produtiva.

Ainda no domínio Árabe, o acampamento Al Mukhaiam volta a repetir conceitos anteriormente explorados, num espaço quase vazio e com reduzida animação, que continua a dotar uma área do Parque da Cidade a um certo abandono pelo público. De qualquer forma, e apesar dos pontos negativos, acredito que este elemento cenográfico por si só tem força suficiente para garantir a sua marca de presença na Viagem Medieval, sendo um dos locais obrigatórios de passagem, nem que à distância, para qualquer forasteiro medieval.

Um conjunto vasto de espaços, com ligeiros ajustes, manteve o alinhamento de anteriores edições, tais como: Treino de Escudeiros, Lago dos Feitiços, Subida às Ameias, Barreira de Tiro com Arco, Passeio nas Montadas, Passeios de Carroça, Moinho de Papel, Feira Franca, Pequenos Guerreiros (agora complementado com o espaço Pequenos Artistas) e mesmo a Liça. No seu conjunto, denotam um recinto maduro e íntegro, que talvez comece a dar sinais de necessidade de alguma inovação. Uma missão complexa, que acredito tenha desenvolvimentos nos próximos anos.


À 16ª edição, a Viagem Medieval reforçou a aposta na animação, alargando os horários das actuações. Desta feita, tudo teve início às 15h e em certos dias só às 2h da madrugada seguinte encerrou o programa. No entanto, as consequências do alargamento ficaram patentes na diminuição da dinâmica de circulação, em especial nos primeiros dias. Com o decurso do evento a questão teve evolução, no sentido positivo.
Apesar disso, a falta de animação circulante foi, este ano, uma das principais críticas, mas talvez haja explicação para isso. Pela primeira vez, a animação não foi focalizada nas zonas alimentares, facto em grande parte sustentado pela criação de 3 Praças de animação no recinto. Assim, o tradicional visitante do “porco no espeto” terá eventualmente sentido a diferença. Mas quanto a esta mudança estou completamente de acordo… haja mais vida no recinto, muito para além das hiper-congestionadas tabernas. Curioso que se fala em crise e nos preços dos bilhetes de entrada, mas a dinâmica comercial ao nível continuou intocável.
E já que falamos em animação circulante, porque não destacar alguns projectos deste ano? Não poderei descrever todos os que se apresentaram, por motivo óbvios, mas irei destacar um reduzido número por situações muito concretas.

Projecto EZ
Fantabulástico… é esta a “palavra” que se me apraz dizer. O recém-criado projecto EZ apresentou na Viagem Medieval a estreia da sua nova produção.
Da engenhosa mente do feirense João Pinto nasceu esta imponente e desastrada catapulta que ao longo de dez dias povoou o recinto da Viagem Medieval, com muitas aventuras e desventuras, explorando os recantos e interagindo de forma surpreendente com o público. A reacção dos espectadores foi de surpresa total, ao dar de caras com esta engenhoca literalmente desgovernada a descer as ruas do centro histórico de Santa Maria da Feira.
É caso para dizer: tenham cuidado… tenham muito cuidado!

Curinga
O projecto de música medieval feirense Curinga apresentou-se nesta edição da Viagem medieval com novos figurinos e na sombra do seu recente álbum. A irreverência falou bem alto, quer nas apresentações que nos efeitos de animação.
Nos concertos, a interacção com o público foi absolutamente notória, abrindo portas a grandes aventuras no futuro… espera-se em palcos bem maiores.
No último dia, em pleno cortejo, fomos surpreendidos por uma abordagem inédita: toda a banda se apresentou com indumentária feminina, sendo o centro das atenções do núcleo musical em que seguiam incluídos. Parabéns!

S.A. Marionetas
Os S.A. Marionetas (Marionetas de Alcobaça) apresentaram na Viagem Medieval, em estreia absoluta, o seu mais recente projecto “D. Sancho I – O Povoador”, com a participação especial de Rui Sousa (Marionetas da Feira). O projecto dedicado ao público infantil fez furor nesta edição da Viagem, com uma extrema capacidade de incluir no conceito todo um público familiar, ao incorporar piadas que de inocentes nada têm, dando vida a um exemplar conceito vanguardista de utilização de técnicas de animação tradicionais.

A participação das bandas internacionais Els Berros de la Cort, Jabardeus e Waraok começa a ficar marcada pelo carácter repetitivo e menor grau de apoio do público. De facto, alguns destes projectos apresentam-se na Feira há mais de meia década consecutiva. Na minha opinião, estaria na altura de pausar alguns deles, abrindo portas a outros projectos, como os aveirenses Tuttis Catraputtis ou mesmo os italianos Barbarian Pipe Band. Bem, há outro nome na lista, mas as utopias ficam para outras ocasiões.


Mas a Viagem Medieval não é só animação. O programa sustenta-se num alinhamento histórico restrito, ancorado por um conjunto de espectáculos de recriação que, embora sejam de maior rigor histórico, não deixam de atender a uma perspectiva mais ligeira e actual da história medieval portuguesa.
Assim, o Castelo foi o local eleito para as 3 representações, com duas apresentações de cada uma delas… e aqui entra a minha questão dos primeiros parágrafos: a profissionalização.
Algumas das apresentações, fruto de actividade amadora de colectividades locais, ficaram marcadas por problemas dramáticos no som, alguns erros de iluminação e mesmo dificuldades de cena. Questões que a este nível, na gigantesca Viagem Medieval, não são dignos para nenhuma das partes.
É obvio que devemos salientar o amadorismo e o voluntarismo dos intervenientes, mas cada vez mais o profissionalismo tem de ser a palavra de ordem. Não poderemos fazer por fazer… temos de fazer bem! Como eu costumo dizer, e porque não poderemos ter milhares de profissionais das artes na Feira, teremos de encarar a existência de “profissionais de final de dia” que usam da sua paixão para produzir com garra, energia e profissionalismo, com o devido tempo para os ensaios e pré-produção. Espero que esta possa ser a marca de próximas edições, demonstrando cada vez mais a capacidade e o Know-how acumulados em Terras de Santa Maria.


Notas finais para algumas questões mais logísticas e que talvez passem despercebidas a alguns dos visitantes, em especial aos menos habituais.
Em primeiro, uma nota extraordinariamente positiva para uma crítica pesada nas últimas edições: a limpeza do recinto. Este ano, uma empresa externa assumiu em continuidade essa função, com resultados espantosos e quase sem dar nas vistas.
Em segundo, uma nota extremamente negativa. O Restaurante instalado junto ao Castelo instalou-se numa estrutura “camião”, coberta por panos. Mas que raio vem a ser isto? Medieval? Hum, neste ponto parece-me que há muito a trabalhar.
Por último, os desdobráveis e a dificuldade de compreensão do programa. Este ano, ouvi inúmeros comentários relativos à dificuldade de leitura do flyer da Viagem Medieval. Na verdade, o modelo tem já doze anos de existência e aplicava-se na perfeição em 2000. Hoje, com um programa tão vasto e complexo, talvez se justifique uma revisão nesse formato, adaptando-o, eventualmente, a algo mais simples, que permita uma exposição linear dos projectos e espectáculos, permitindo uma maior fluidez na leitura e compreensão dos projectos.

Registe-se com enorme entusiasmo a perspectiva de perpetuação no tempo da Viagem Medieval no tempo, que há muito venho defendendo. Este ano, o passadiço da Praça Nova não será desmontado, mantendo vivas as memórias e permitindo a localização exacta, durante todo o ano, do centro nevrálgico do recinto da maior recriação medieval da Europa.

No fim, seria talvez altura de lançar desafios… mas, desta vez, já os fui deixando em cada uma das secções anteriores. Resta reforçar a ideia global: a profissionalização, o ajuste dos conflitos com o centro histórico e o reforço da integridade cenográfica do recinto. E como gosto sempre de lançar uma pedrinha… numa altura em que muitos falam insistentemente da limitação temporal da Viagem, e mesmo tendo presente todas as limitações e constrangimentos da minha proposta, porque não dar mais uma semana de vida ao projecto? Deixo no ar uma Viagem Medieval com 18 dias de duração… e, de facto, foi o que, desta vez, fizemos no Krónikas Feirenses e no Medieval SMF. Talvez daqui a 3 ou 4 anos tal seja possível concretizar…
Assim, 18 dias exactos após a abertura da XVI edição da Viagem Medieval em Terra de Santa Maria, encerra a reportagem, tendo início a aventura rumo a 2013. Neste percurso poderão contar com o auxílio do Projecto Bússola (mais novidades nas próximas semanas) que deixa, desde já, a pulseira memória, numa parceria com Ivo Maia Designers. Voltamos a Viajar em 2013…


Em resumo, poderei afirmar que a edição 2012 da Viagem Medieval em Terra de Santa Maria nos revelou um vasto conjunto de surpresas e inovações, que em grande medida engrandeceram o potencial criativo local, sendo que algumas delas não serão propriamente dignas de uma gigantesca viagem no tempo, tendo valor acrescido em outros projectos, como o Imaginarius ou mesmo a Terra dos Sonhos.
A partir do segundo dia, encontramos um parque temático mais coeso e íntegro, onde, pela primeira vez, podemos recorrer à programação integral de algumas praças e a animação circulante teve início com a abertura do recinto. Na edição mais participada de sempre, alguns conceitos bem originais deram vida a um recinto a fervilhar de emoções e sensações extremas.

O efeito passou… a máquina do tempo voltou a descansar. Acabamos de regressar ao século XXI, ao ano 2012. Durante 12 meses a época medieval não passará de um conjunto de memórias. Mas, acredito que possa ser mais do que isso… acredito que a época medieval, o burburinho, as cores e os cheiros poderão estar vivos em apontamentos durante todo o ano.

A Viagem é nossa, a Viagem faz parte de nós!
A Viagem não termina aqui… Este lugar é do tempo, vamos vivê-lo juntos… ao longo de TODO o ano.

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