Doze anos passados desde a primeira edição, eis que
poderemos afirmar, definitivamente, que Santa Maria da Feira conquistou o
Imaginarius. O Festival Internacional de Teatro de Rua que nascera numa época
de vacas gordas cresceu nesses mesmos moldes, sem se desviar para um ritmo mais
caseiro e de produção própria, apoiado num número menos vasto de grandes projectos
internacionais, mas tirando deles o sumo e a inspiração para a componente
criativa local. Nos últimos anos, algumas tentativas foram feitas nesse
sentido, mas o conceito não colou. Dada a situação financeira a edição 2011 chegou
mesmo a ser posta em causa.
O festival vingou e adaptou-se à nova realidade. Mas a
mutação não ficou por aqui. Rumo à edição 2012 optou-se por um novo conceito,
uma nova direcção de conteúdos e um novo figurino para o festival.
Primeiro balanço: absolutamente positivo. Mesmo sem dar,
ainda, resposta a todos os pontos passíveis de melhora, o festival voltou a
crescer em número e qualidade das apresentações, reduzindo o impacto financeiro
dos macro-espectáculos. Nesta edição contamos apenas com um projecto dessa
envergadura, e um outro de dimensão mediana. Toda a restante programação se
construiu com base em espectáculos de dimensão mais pequena, dando destaque à
produção nacional e acima de tudo ao produto da casa. À 12ª edição, o
Imaginarius contou com 5 criações originais que envolveram mais de 1700 pessoas
da comunidade. Os feirenses falam agora no nosso Imaginarius… o festival deixou
de ser um produto alheio: concebido e gerido artisticamente por um projecto
paralelo, para passar a dar voz à comunidade e assumir-se no sentido de
pertença local.
Quanto a números: os mesmos três dias, mas com menos uma
noite e reforço da programação diurna; 70 apresentações de 37 companhias,
oriundas de 9 países; destaque para 4 estreias nacionais, 5 criações
Imaginarius e 14 projectos na programação off (Mais Imaginarius); por fim,
destaque ainda para alguns projectos que se auto-convidaram para o festival e saíram
à rua tal e qual fazem os originários artistas de rua… sem marcação e com o
chapéu à frente.
Tempo agora para uma análise mais profunda de alguns dos
pormenores desta edição:
i) Espaço Imaginarius
Há muito que defendo a criação de algo a este nível. A designação
parece-me perfeita, mas em 2012 foi apenas um espaço para artistas e
organização. Penso que no futuro seria de equacionar um alargamento deste local
ao público.
A localização é perfeita, então porque não apostar numa
espécie de mercado da criatividade? Centralizar workshops (em maior número),
conversas, partilhas e pequenos espectáculos nos vários espaços do mercado. Porque
não abrir as portas aos artistas de rua puros que queiram aparecer e participar?
Em paralelo, uma das maiores críticas que continuo a ouvir
do festival prende-se com a alimentação. Acredito que este espaço poderia dar
resposta, com a disponibilização de espaços para refeições ligeiras, snacks e
bebidas durante todo o festival.
ii) Novo figurino
Parece-me bem, mas duas noite sabem a pouco. A prospecção de
mercado, abraçando o nicho das famílias ao Domingo à tarde, com alguns ajustes,
parece-me bem conseguida. No entanto, um Imaginarius com duas noites parece que
sabe a pouco. E se em paralelo um encerramento ao fim da tarde de Domingo
acrescenta o mesmo sentimento, porque não prolongar um pouco mais o projecto no
Domingo e fechar às 20h/21h com um espectáculo macro ao anoitecer? Porque não
criar esse projecto por cá?
Aqui entra a Caixa
das Artes… uma estrutura em fase de concurso para o seu espaço físico, mas que
com as condições logísticas actuais pode e deve, desde já, avançar para o
terreno. Quero eu dizer que mesmo antes da obra concluída, esta estrutura
deve rapidamente decidir a sua concepção artística, avançando imediatamente
para a criação. Não fará qualquer sentido ter um edifício pronto e não haver em
curso trabalho que o possa ocupar no imediato.
Em resumo, gostaria de ver em 2013, no encerramento do
Imaginarius, uma mega produção com macro-estruturas e com carimbo feirense
(sim, sei que com o know-how adquirido é possível fazer-se e com grande
qualidade) e com o selo Caixa das Artes.
Por outra lado, porque não explorar os últimos ensaios das
produções originais, com o selo de ensaio aberto, dinamizando um maior número
de noites pré-festival. À semelhança do que em tempos já foi feito, por exemplo
com o Texturas?
iii) Animação de Rua
Um dos pontos negativos desta e de outras edições. Esta vertente
nunca foi devidamente explorada, mas quando apostamos num festival com menor
número de projectos grandiosos a animação circulante é fundamental. Este ano
contamos com apenas um projecto circulante, a somar aos auto-convidados e à fabulosa
animação de alguns dos ardinas Imaginarius.
Um ponto passível de melhora futura.
iv) Grelha de Progamação
Um dos problemas mais antigos do Imaginarius prende-se com
as alterações de última hora. No Imaginarius, ao contrário de outros eventos,
como a Viagem Medieval ou a Terra dos Sonhos, o visitante (pelo menos grande
parte) define percursos antes de chegar a Santa Maria da Feira, pelo que
qualquer alteração possa criar insatisfação e complicações. Nesta edição o
problema continuou patente. Obviamente que se compreende que com o cancelamento
forçado dos espectáculos da companhia Cirque Hirsute, o outro espectáculo do
Tribunal ficaria isolado, daí que a alteração para o Rossio e o atraso de uma
hora motivado por outros projectos até possa ser minimamente compreensível. Mas
o mesmo não se pode dizer das alterações múltiplas no teste da tarde de
Domingo. Falamos de alterações mínimas de 15 minutos, com antecipações e
atrasos, mas a este nível tudo isso deverá ser evitado.
Um outro ponto prende-se com a continuidade a programação
entre a tarde e a noite, especialmente ao Sábado. Como já tinha sido patente
noutras edições, entre as 19h e as 21h são centenas, senão milhares, os
visitantes que continuam no recinto do Imaginarius sem que haja qualquer
apresentação. Vão-se entretendo com ensaios e testes até que chegue a hora das
apresentações. Um ponto a reequacionar… e até uma simples animação circulante
poderia minimizar este efeito.
Deixo ainda a sugestão para que o conceito da música de rua
possa ser explorado em próximas edições. O efeito conseguido com o pequeno
concerto na tarde de Domingo, nesta edição, deixa patente a pertinência do
conceito. E nesta onda de parcerias, porque não uma extensão do projecto “Música
na Rua”, do Metro do Porto?
v) Mercado de Rua
Poucas palavras serão necessárias para descrever uma aposta
mais do que ganha.
vi) Concerto de Encerramento da Noite de Sábado
Desde sempre apoiei este conceito que há algum tempo estava
perdido. De qualquer forma acredito que no Imaginarius seja possível ir mais
além. Porquê fazer apenas um concerto? E que tal conceber algo Imaginarius para
acontecer em paralelo? Uma projecção interactiva num edifício, uma estrutura
cénica alternativa, voltar a mascarar o centro histórico… múltiplas
possibilidades poderão ser equacionadas.
vii) Criações Imaginarius
Não poderei pronunciar-me a 100%, até porque não tive
oportunidade de assistir ao produto final de duas das cinco criações desta
edição. De qualquer forma, parece-me que a componente comunitária se apoderou
em demasia deste conceito. Por outro lado, a nível de projectos profissionais
ou profissionalizantes, nada temos para apresentar.
Uma vez mais, a Caixa das Artes será fundamental neste
âmbito. Mesmo sem o espaço físico definitivo, a estrutura terá condições para
começar desde já a funcionar, podendo associar-se a companhias locais, ou não,
para produzir projectos originais. Penso que está na altura de em paralelo
podermos observar projectos em que haja mais espectáculo e grandiosidade
cénica, em detrimento do número de participantes (olhe-se para o conceito dos
Xirriquiteula na tarde de Domingo, em que 5 pessoas conseguiram mais espanto do
que centenas em alguns dos espectáculos nocturnos). Isto, sem impossibilitar a
continuidade do excelente projecto comunitário fruto da parceira entre o
festival e várias entidades neste domínio.
Como nota final, deixo uma avaliação plenamente positiva
desta edição, com pontos passíveis de melhora e, obviamente, com sugestões para
que sustentadamente o festival possa crescer e deixar apenas de ser uma marca
internacional, para que possa ser verdadeiramente activo nas parcerias com
outros festivais e entidades em Portugal e no Mundo.
Ainda um pormenor, a designação. Para quando o Imaginarius –
Festival Internacional de Artes de Rua de Santa Maria da Feira? Há muito que o
teatro deixou de ser rei de um festival que é aberto a todas as actividades
artísticas apresentadas no espaço público.
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