Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato de Jogadores Profissionais
de Futebol, revelou que 80 por cento dos clubes profissionais
portugueses têm salários em atraso.
Em entrevista ao Relvado, explica o que poderá ser feito para
atenuar o problema e denuncia casos dramáticos de futebolistas que não
têm dinheiro para as necessidades básicas. E não exclui o cenário de
greve.
Relvado - 80 por cento de clubes profissionais com salários em atraso é um número assustador. A situação nunca foi tão grave?
Joaquim Evangelista - Acho que os agentes do futebol têm
consciência da gravidade do problema. O Sindicato de Jogadores tem
procurado não ter um discurso alarmista, mas este assunto tem de ser
falado, não pode passar despercebido. Há casos de clubes com três,
quatro e cinco meses de salários em atraso. E alguns têm dívidas
referentes à época passada!
No futebol português, existe a ideia que não é grave ter um ou dois
meses de salários em atraso... Enfim, toda esta situação cria enorme
instabilidade emocional nos jogadores e nos treinadores, pois há
incerteza em relação ao futuro. E também cria problemas de balneário,
processos disciplinares, etc.
Relvado - O que poderá ser feito?
JE - O Sindicato vai pedir uma audiência ao Presidente da Liga e
ao secretário de Estado da Juventude e Desporto. Esta questão tem de se
resolver pela via de um licenciamento mais rigoroso. Chegámos a uma
altura em que muitos jogadores não têm para onde ir. Eles querem
acreditar na palavra dos dirigentes, mas há uma altura em que atingem o
limite...
R - Para além de casos conhecidos de salários em atraso, como
por exemplo União de Leiria e Vitória de Guimarães, existem muitos
outros clubes com este problema?
JE - Sim, muitos mesmo. Muitos jogadores têm protegido os clubes,
mas posso dizer que existem casos de presidentes de clubes que mandam
cheques pessoais que depois são devolvidos porque não têm cobertura. E
não há clubes que possam deitar pedras aos vizinhos. Pondero voltar a
fazer algo que fiz há alguns anos, que é revelar a lista negra dos
clubes incumpridores, isto se não houver uma disposição dos próprios
clubes e da Liga em alterar esta situação.
R - Os jogadores poderão fazer greve?
JE - Eventualmente, mas também temos a consciência que uma greve
não resolve tudo. Como disse, pedimos uma audiência à Liga e ao
secretário de Estado, vamos ver o que vai acontecer. Se a Liga não
assegura a verdade desportiva, é culpada por omissão.
R - O modelo de licenciamento não é eficaz. Como será possível torná-lo eficaz?
JE - Provavelmente o modelo de licenciamento deverá ser gerido
por uma entidade exterior à Liga. Isto porque os clubes fazem parte da
Liga e não vão querer tomar medidas mais rigorosas. O que é grave é
que clubes cumpridores, como o Feirense, têm concorrência desleal. No
Feirense, existe uma norma estatutária que impede que as dívidas
transitem de uma época para a outra. O Feirense cumpre e está no último
lugar, outros clubes não cumprem e podem contratar melhores jogadores. É
uma concorrência desleal.
Poderia haver um fundo com uma percentagem das receitas dos jogos, de
modo a dar uma resposta quando estes problemas acontecem. Se a Liga
permite que se chegue a uma situação desta gravidade, naturalmente que o
futebol fica desacreditado.
R - Vários jogadores têm rescindido contrato com os clubes nos últimos dias. Haverá mais rescisões nos próximos dias?
JE - Nestas circunstâncias, os futebolistas podem rescindir
contrato e ir à vida deles. Vários jogadores estrangeiros têm-no feito.
Já os portugueses protegem o clube, acreditam na palavra dos dirigentes e
depois ainda são despedidos. E a posição dos clubes é inacreditável.
Alguns vêm com a ameaça da insolvência. Dizem 'têm de aguentar, senão
isto acaba', colocando o ónus nos jogadores.
R - Há casos dramáticos de futebolistas sem dinheiro para comer?
JE - Algumas situações são uma questão de sobrevivência. Há
jogadores sem dinheiro para pagar a luz, a renda da casa, a escola dos
filhos.
R - Os dirigentes são inimputáveis?
JE - Há muito aquela teoria segundo a qual alguns dirigentes
investem dinheiro nos clubes, são uns altruístas... E a partir daí tudo é
desculpado. Acho, aliás, que alguns dirigentes deveriam ser
canonizados. A igreja devia inspirar-se no futebol português!
R - É contra o alargamento das competições profissionais...
JE - Não sou contra nem a favor quanto à questão em si, talvez
daqui a uns dois anos haja condições para isso. Mas se a Liga não
garante condições para 32 clubes, como poderá garantir para mais?
@ Relvado
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