Verde, rosa, bordeaux e roxo são as quatro novas cores hoje usadas nos
vestidos brancos com que 300 meninas repetem na Feira a tradição de
desfilarem com uma fogaça à cabeça em agradecimento pelo fim da peste
negra.
Essas fogaceiras começaram a concentrar-se no edifício da câmara
logo pelas 08:00 e são as protagonistas do feriado municipal que,
atraindo milhares de visitantes à cidade, assinala uma tradição com 507
anos: a de "donzelas virgens e em idade casadoira" - o que este ano
significa meninas entre os 7 e os 13 anos de idade - oferecerem a S.
Sebastião o pão doce que lhe foi prometido como voto por cada ano sem
vítimas da peste entre as gentes da terra.
Até 2011, as faixas de cetim que moldavam a cintura das meninas do
cortejo eram só azuis e vermelhas, mas este ano associaram-se ao traje
outras quatro cores, facto que a vereadora da Cultura da Feira garante
ser "a recuperação de um hábito antigo" que se tinha perdido
entretanto.
"Procuramos cumprir religiosamente a tradição e vamos sempre
recolhendo alguma informação sobre a história da Festa das Fogaceiras.
Tivemos conhecimento de que, numa fase inicial, não era só o azul e o
vermelho que se usava no vestido e, então, este ano, decidimos
introduzir novas cores, que são o rosa, o verde, o bordeaux e o roxo",
explica Cristina Tenreiro.
À maioria das meninas, a nova paleta dos cetins passou, contudo,
despercebida. Todas chegaram à câmara vestidas de branco, mas, como são
as senhoras adultas que lhes amarram as faixas à cintura, não reparam
no cuidado com que se fazem esses laços grandes que levam às costas nem
notam que as novas cores ficaram reservadas para as fogaceiras já
adolescentes - que são as que se responsabilizam pelo transporte dos
elementos mais pesados da procissão, como a miniatura do castelo, os
estandartes e o tabuleiro com as velas do voto.
"Põe-se muito em causa se a procissão deveria continuar, mas, além
de procurarmos preservar essa memória, é preciso ver que agora a peste é
outra: é o desemprego, a droga, a doença, e é por isso que, neste dia,
as pessoas também pedem a S. Sebastião que a vida seja melhor, que
Portugal melhore também e que todos os males que afetam as pessoas
desapareçam das nossas famílias", admite Cristina Tenreiro.
Diana Gesteira tem 11 anos e é fogaceira há quatro. Numa das
primeiras vezes, foi o rosto do cartaz do evento e agora, mesmo tendo
crescido, ainda a reconhecem na rua, o que ajuda a que afirme: "Isto
para mim é uma alegria".
Pormenores sobre as razões que levaram a que a fogaça se tornasse um
voto religioso não sabe, mas fica contente com a reação dos colegas da
escola, que, depois do dia do cortejo, se entusiasmam ao vê-la chegar.
"Saltam todos para cima de mim", conta a fogaceira. "Querem saber
tudo, começam a dizer que vou ser a cara do cartaz outra vez, coisas
assim".
Esse apoio fá-la esquecer a correria dos preparativos: "Durante a
semana fui a muitas lojas até encontrar um vestido, tive que ir a
muitas sapatarias, estive mesmo muito aflita para preparar as coisas e
hoje levantei-me às 07:30 para estar tudo bem, sem stress".
Já quando o cortejo vai na rua, disparam os flashes à medida que
desfilam as meninas e as fogaças. De manhã, as fogaceiras saíram da
câmara para a igreja matriz, onde se deu a bênção do pão prometido ao
mártir. À tarde, levam o pão já benzido a passear pela cidade, antes de
regressarem a casa com a sua própria fogacinha - que "agora há mais
fartura e pode-se dar uma a toda a gente, quando dantes era à fatia que
a davam aos pobres e aos presos", conta uma senhora à vizinha, entre a
multidão.
Aí, Maria da Glória Oliveira destaca-se pelo sorriso rasgado, de
espectadora consolada. "Gosto tanto disto, menina", confessa a sénior
de Famalicão. "Vim o ano passado pela primeira vez e voltei porque
gosto de tudo - das coisas bonitas que há na Feira, como o castelo, e
desta procissão, que acho que é muito importante".
Em Boticas, a senhora costumava acompanhar as celebrações de outro
S. Sebastião. "Mas agora tenho vindo para aqui porque acho mais graça
às miúdas com as fogaças", remata Maria da Glória, que até defende que o
pão oferecido ao mártir "não é assim uma coisa por aí além e [que] o
melhor mesmo é ver as meninas".
@ Lusa
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