sábado, 21 de janeiro de 2012

Cortejo das Fogaceiras recupera cores dos laçarotes dos vestidos que só foram usadas no início da tradição

Verde, rosa, bordeaux e roxo são as quatro novas cores hoje usadas nos vestidos brancos com que 300 meninas repetem na Feira a tradição de desfilarem com uma fogaça à cabeça em agradecimento pelo fim da peste negra.

Essas fogaceiras começaram a concentrar-se no edifício da câmara logo pelas 08:00 e são as protagonistas do feriado municipal que, atraindo milhares de visitantes à cidade, assinala uma tradição com 507 anos: a de "donzelas virgens e em idade casadoira" - o que este ano significa meninas entre os 7 e os 13 anos de idade - oferecerem a S. Sebastião o pão doce que lhe foi prometido como voto por cada ano sem vítimas da peste entre as gentes da terra.
Até 2011, as faixas de cetim que moldavam a cintura das meninas do cortejo eram só azuis e vermelhas, mas este ano associaram-se ao traje outras quatro cores, facto que a vereadora da Cultura da Feira garante ser "a recuperação de um hábito antigo" que se tinha perdido entretanto.
"Procuramos cumprir religiosamente a tradição e vamos sempre recolhendo alguma informação sobre a história da Festa das Fogaceiras. Tivemos conhecimento de que, numa fase inicial, não era só o azul e o vermelho que se usava no vestido e, então, este ano, decidimos introduzir novas cores, que são o rosa, o verde, o bordeaux e o roxo", explica Cristina Tenreiro.
À maioria das meninas, a nova paleta dos cetins passou, contudo, despercebida. Todas chegaram à câmara vestidas de branco, mas, como são as senhoras adultas que lhes amarram as faixas à cintura, não reparam no cuidado com que se fazem esses laços grandes que levam às costas nem notam que as novas cores ficaram reservadas para as fogaceiras já adolescentes - que são as que se responsabilizam pelo transporte dos elementos mais pesados da procissão, como a miniatura do castelo, os estandartes e o tabuleiro com as velas do voto.
"Põe-se muito em causa se a procissão deveria continuar, mas, além de procurarmos preservar essa memória, é preciso ver que agora a peste é outra: é o desemprego, a droga, a doença, e é por isso que, neste dia, as pessoas também pedem a S. Sebastião que a vida seja melhor, que Portugal melhore também e que todos os males que afetam as pessoas desapareçam das nossas famílias", admite Cristina Tenreiro.
Diana Gesteira tem 11 anos e é fogaceira há quatro. Numa das primeiras vezes, foi o rosto do cartaz do evento e agora, mesmo tendo crescido, ainda a reconhecem na rua, o que ajuda a que afirme: "Isto para mim é uma alegria".
Pormenores sobre as razões que levaram a que a fogaça se tornasse um voto religioso não sabe, mas fica contente com a reação dos colegas da escola, que, depois do dia do cortejo, se entusiasmam ao vê-la chegar. "Saltam todos para cima de mim", conta a fogaceira. "Querem saber tudo, começam a dizer que vou ser a cara do cartaz outra vez, coisas assim".
Esse apoio fá-la esquecer a correria dos preparativos: "Durante a semana fui a muitas lojas até encontrar um vestido, tive que ir a muitas sapatarias, estive mesmo muito aflita para preparar as coisas e hoje levantei-me às 07:30 para estar tudo bem, sem stress".
Já quando o cortejo vai na rua, disparam os flashes à medida que desfilam as meninas e as fogaças. De manhã, as fogaceiras saíram da câmara para a igreja matriz, onde se deu a bênção do pão prometido ao mártir. À tarde, levam o pão já benzido a passear pela cidade, antes de regressarem a casa com a sua própria fogacinha - que "agora há mais fartura e pode-se dar uma a toda a gente, quando dantes era à fatia que a davam aos pobres e aos presos", conta uma senhora à vizinha, entre a multidão.
Aí, Maria da Glória Oliveira destaca-se pelo sorriso rasgado, de espectadora consolada. "Gosto tanto disto, menina", confessa a sénior de Famalicão. "Vim o ano passado pela primeira vez e voltei porque gosto de tudo - das coisas bonitas que há na Feira, como o castelo, e desta procissão, que acho que é muito importante".
Em Boticas, a senhora costumava acompanhar as celebrações de outro S. Sebastião. "Mas agora tenho vindo para aqui porque acho mais graça às miúdas com as fogaças", remata Maria da Glória, que até defende que o pão oferecido ao mártir "não é assim uma coisa por aí além e [que] o melhor mesmo é ver as meninas".

@ Lusa

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